06/12/2021 09:58:00

Por que os carros custam tão caro no Brasil?

Confira:

Por canaltech.com.br

As respostas mais comuns que ouvimos atualmente quando perguntamos por que os carros custam tão caro no Brasil são atreladas à alta do dólar ou, então, a um problema mais recente: a crise global de semicondutores semicondutores. Mas será que é somente isso que explica a disparada de preços de carros antes considerados populares, como o Volkswagen Gol, hoje custando acima de R$ 90 mil?

Apenas para embasar o motivo da reportagem, aqui vai uma breve ilustração histórica: em 2002, um Fiat Brava, coupê que há um bom tempo está fora de linha, mas era sucesso na época, custava pouco mais de R$ 30 mil em sua versão topo de linha com motor 1.8. Hoje, um modelo equivalente da mesma montadora, o Argo Trekking 1.8, não sai por menos de R$ 89 mil.

E o que explica isso, além dos fatores já citados no início da matéria?  A reportagem conversou com Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Autoveículos (Anfavea), consultou uma advogada especialista no setor automotivo e, claro, representantes das montadoras.

As teses fundamentadas para a mudança de cenário que se estabeleceu em quase duas décadas no Brasil são muitas e, claro, passam pela alta do dólar e pelos efeitos da pandemia. Mas há muito mais. "É uma combinação de vários fatores", resumiu Moraes.

 

 

“Popular” de antigamente hoje beira os R$ 100 mil

 

Quando falamos em carro popular no Brasil, conceito criado por Itamar Franco quando esteve ocupando a Presidência da República, alguns modelos, como Volkswagen Gol e Fiat Uno (hoje extinto, cujo lugar foi ocupado pelo Mobi), logo surgem em mente.

O conceito, no entanto, está "morto", segundo o presidente da Anfavea: “Não existe mais essa figura do carro popular, que não tem nada de tecnologia. Nós temos que ter, por lei, todos os sistemas de segurança, e nós achamos que está correto. Esquece, isso é passado, não tem mais sentido isso”.

Pelo que mostram o cenário atual e os preços dos carros, o executivo tem razão. Hoje, as três versões disponíveis do Gol, por exemplo, custam até R$ 90 mil, dependendo das configurações escolhidas.

Em 2003, um carro com configurações similares, o Gol Total Flex, dotado da tecnologia Magneti Marelli, saia por R$ 26,8 mil, equivalente a 107,9 salários mínimos da época (R$ 240). O valor do carro, hoje, em salários mínimos atuais (R$ 1.192), é menor (67,6 salários), mas isso não quer dizer que esteja mais fácil para o brasileiro ter um Gol em sua garagem. Muito pelo contrário.

“A inflação, de 2002 para cá, impactou demais, e não apenas nos preços dos carros, mas em praticamente todos os produtos. Basta olhar para o mercado”, argumentou Isabela Tavares, economista da Tendências, consultoria especializada no segmento automotivo. “O carro que nós temos que vender hoje não é o mesmo carro da década de 1980”, emendou Luiz Carlos Moraes. “Isso veio para ficar, e não é diferente dos padrões da Europa e dos Estados Unidos”, completou.

A afirmação do presidente da Anfavea ganhou força em um editorial do Automotive News. Segundo o site, a oferta de veículos nos Estados Unidos está cada vez mais restrita ao segmento de até US$ 20 mil (cerca de R$ 108,2 mil), mas repleta de novos modelos de SUVs, eletrificados ou não, na casa dos US$ 100 mil (R$ 540,9 mil).

 

Novos tempos, novas tecnologias e novos preços

 

As tecnologias citadas pelo presidente da Anfavea para justificar a "morte" do carro popular foram novamente apontadas pelo executivo como um dos fatores primordiais para os carros no Brasil custarem tão caro — embora Moraes não concorde com o adjetivo usado para taxar os veículos.

“Nosso aumento de preços é relativamente baixo se olharmos o contexto geral”, argumentou o presidente da Anfavea, citando que, em relação aos produtos captados pelo IPCA (IBGE), a inflação acumulada em 12 meses dos automóveis novos é de 11,5%. Com isso, o setor ficou na 136ª posição entre os itens que mais aumentaram de preço. "O IPA-DI (FGV) acumulado em 12 meses, outro índice usado como comparativo, fechou em 28,6% em setembro”, explicou.

Em relação às novas tecnologias, muitas delas nem podem mais ser consideradas itens de luxo. “Temos muitas tecnologias que são estabelecidas no regulatório, como segurança, metas de emissões, redução no consumo. Ou seja: metas de eficiência energética”, enumerou.

 

 

Carga tributária pesada

O excesso de impostos, embora não tenha aumentado de alíquota de 2002 para cá, também foi apontado pelas fontes ouvidas como preponderante para o preço atual que é cobrado pelos carros no Brasil. E não apenas pelos zero quilômetro, mas também pelos usados ou seminovos.

Em documento , a Anfavea enumerou o quanto de imposto incide sobre um carro com valor hipotético de R$ 100 mil. De acordo com a entidade, após IPI, PIS/Cofins, ICMS, IPVA e IOF, que também incide sobre a apólice de seguro, o total de impostos pode chegar a 52% do valor do carro.

 

 

“O consumidor não sabe, mas, quando compra um carro, está pagando um alto índice de impostos”, explicou Moraes, que também compartilhou uma segunda tabela de impostos, comparando as alíquotas cobradas no Estado de São Paulo com as praticadas em alguns países da Europa (abaixo).

 

O executivo não soube dizer o que exatamente a indústria automobilística pode fazer para facilitar a vida de quem não tem mais condições financeiras de arcar com o chamado “sonho do carro zero”, mas apostou que o cenário pode mudar, ao menos um pouco, quando os efeitos da pandemia passarem.

“O sistema global de produção tem que voltar ao normal. Essas sequelas globais econômicas precisam diminuir. Gradativamente, vai se estabilizar, e aí os preços relativos podem ficar mais estáveis”, opinou, citando que cerca de 300 mil carros e caminhões novos deixaram de ser produzidos em 2021.

 

O silêncio das montadoras

 

A matéria não ficaria completa, ou justa, sem o posicionamento oficial das principais montadoras de carros do Brasil. E a reportagem contatou, por e-mail e por telefone, as assessorias de imprensa da General Motors, Volkswagen e Stellantis, grupo que detém as marcas Fiat, Jeep e Peugeot, entre outras.

A solicitação para que um executivo ou um porta-voz de cada uma delas concedesse uma declaração ou um posicionamento oficial, no entanto, não foi atendida. Todas as empresas alegaram, com palavras diferentes, mas de mesma conotação, que, “por se tratar de uma situação geral, quem tem que se posicionar a respeito é a Anfavea”.

A entidade, como mostramos no início do texto, realmente se posicionou e argumentou que os carros no Brasil, ao contrário do que pensamos, não custam caro. E você: o que achou? Concorda com a afirmação ou acha que os carros estão, sim, com preços estratosféricos no país? Interaja conosco em nossas redes sociais.